Não são raras as vezes que ouço a afirmação “eu deixo a vida pessoal à porta” ou “quero que deixe a vida pessoal à porta”.

Mas será mesmo assim?

Acho que ainda não inventámos tapetes com tamanha tecnologia.

Parece-me que esta exigência, para consigo próprio ou imposta por outros funciona numa ótica de contenção, que às tantas corre o risco de explodir o que, traduzindo por questões práticas, origina conflitos, baixas, faltas, degradação do ambiente e até despedimentos e saídas não desejadas. Não é de todo promotora de saúde nem tão pouco sinónimo de produtividade.

É  preciso compreender que num mesmo espaço temporal desempenhamos vários papéis, somos profissionais, somos filhos, pais, avós, irmãos, cônjuges, somos cidadãos. É preciso compreender que é o desempenho desses diversos papéis que fazem de nós o que somos, é o todo e não apenas cada uma das suas partes. Aliás, é especialmente importante até que desempenhemos esses diversos papéis em prol do nosso próprio equilíbrio, auto-estima, autoconceito e saúde mental, portanto.

Posto isto, é natural que em determinados momentos os papéis que desempenhamos para além do Ser profissional possam provocar-nos stress, ansiedade, frustração, tristeza, angústia, na mesma medida que alegria e energia. E é igualmente natural que se repercuta no trabalho.

Ao promover o culto desta separação tão afincada de papéis estamos simplesmente a não permitir-nos sentir, estamos simplesmente a ignorar e a negar o seu impacto. Ao fazê-lo, não estamos a permitir que as pessoas (inclusivamente eu) se conheçam emocionalmente, que tenham consciência de si e que depois consigam fazer aquilo que tanto se valoriza nos profissionais, em especial aqueles que lideram outras pessoas…regulação emocional, gestão das emoções.

Se não tenho espaço, se nego, se ignoro, se rejeito o impacto emocional que a minha vida “pessoal” tem ou poderá ter no trabalho, estou muito menos capaz de gerir esses impactos, e os resultados podem ser desastrosos.  Quantas más decisões no trabalho não poderiam ser evitadas se déssemos este espaço? Quantos conflitos? O trabalho também não impacta a vida “pessoal”? Claro que sim, porque somos só um, não somos apenas somas de diversas partes.

Dar espaço e abertura pode ser tão simples como….“reparei que não tens atendido os clientes com tanta simpatia e dedicação, pareces mais em baixo, estás bem? Há alguma coisa que eu possa fazer para te ajudar?”.

Normalizemos a capacidade natural que as pessoas têm de S-E-N-T-I-R.

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