Há muito tempo atrás as pessoas eram “obrigadas” a abraçar o aborrecimento, haviam menos distratores. Esperavam e aborreciam-se nas salas de espera, as crianças aborreciam-se nas férias grandes. Hoje em dia nos primeiros 5 minutos de espera já estamos a fazer scroll nas redes sociais ou a jogar qualquer coisa. Hoje em dia, nos encontros e momentos que nos deixam mais desconfortáveis (p.ex. porque não temos assunto ou porque não sabemos como quebrar o gelo) acabamos logo com o problema e olhamos, novamente, para o telemóvel.

 

O problema continua a residir lá, o constrangimento, o aborrecimento, continua lá, a única coisa que fizemos foi mascará-lo. Ficámos menos atentos, tornamo-nos menos presentes. É que se eu não tivesse o telemóvel, tinha de olhar à minha volta, olhar para as pessoas, para os espaços, eventualmente até começar a pensar na vida, a pensar no jantar, numa nova ideia, a pensar num próximo encontro de amigos, numa surpresa para @ namorad@. Se eu não tivesse o telemóvel eu tinha de me desenvencilhar, de arranjar uma estratégia para não estar aborrecida, para comunicar com o outro. Mas não, fugimos do aborrecimento, do constrangimento, da “dor” a sete pés, porque de facto a solução está tão acessível.

 

As consequências disto são as que ouço tantas vezes em consulta: sensação de cansaço, de pressão e de exigência que não se sabe bem explicar de onde vem. É que mal nos desconectamos do presente, viajamos para outro lado qualquer, sem lá estarmos. Viajamos para a Grécia onde está uma amiga a passar férias, viajamos para o novo restaurante incrível que abriu onde está agora a jantar um amigo. Viajamos para a empresa ABCDE que lançou esta e outra e outra nova coleção. É muita informação. É muito estímulo. Mas eu continuo ali, exatamente ali, naquela “sala de espera”, não estou na Grécia nem naquele restaurante. Estou ali e agora queria tanto estar num daqueles sítios. De repente perdi a oportunidade de pensar no que vou fazer para o jantar, de pensar numa nova ideia, de pensar num novo encontro de amigos, numa surpresa para @ namorad@…E isto é muito cansativo, e é especialmente cansativo porque é recorrente, é diário, perpetuado durante anos.

 

Acredito que enquanto sociedade nos encontramos no meio de uma grande revolução, a era digital apareceu e entrou nas nossas vidas sem nos avisar, sem nos preparar. Precisamos, pois, de nos adaptar a ela sem descurar a nossa saúde, acredito que precisamos de encontrar um ponto de equilíbrio.

Deixo-te um desafio que faço muitos vezes, em momentos em que tenhas de esperar por algo, espera só. Olha à tua volta, repara nas coisas, repara nas pessoas. Faz de conta que não trouxeste telemóvel, pensa no jantar, numa nova ideia, num próximo encontro de amigos, numa surpresa para @ namorad@. Relaxa, imagina, aborrece-te ☺️

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